O inconsciente é então a “chave” do sucesso Mourinho. Treinos físicos isolados? De que vale o jogador estar em boas condições físicas se não consegue realizar os movimentos e acções necessárias ou se não se encontra nas melhores condições mentais? “Mente sã em corpo são”, regra aplicada a Mourinho, a mente é gerida por este em todos os treinos, se quer que a equipa renda, trabalha o seu desenvolvimento técnico/táctico. Como? Com treinos baseados em princípios específicos de jogo, com sistematização de acções, com a habituação, com a interiorização inconsciente. Hierarquizando todo o meu pensamento.
Primeiro, no jogo grande parte das acções e movimentos são tomados inconscientemente, ou seja, tomamos a acção rapidamente quase que sem a deliberar, é um acto rápido e aprendido, algo interiorizado. Logo, se pretende Mourinho melhorar e corrigir lacunas deve actuar no sistema inconsciente dos seus atletas, reformular as suas acções inconscientes. Para tal só há uma forma de aprendizagem, a acção contínua e sistemática. Onde? No treino, com situações que proporcionam vivências, situações repetidas e rotinadas para que rapidamente a acção se torne inconsciente. Mas mais fácil se torna a interiorização quando o exercício proporciona uma vivência de jogo, mas ao mesmo tempo um reforço positivo, por outras palavras, proporciona um sentimento agradável que mostra que o exercício tem um objectivo e que se realizar tal acção é mais provável a eficácia. Assim, um exercício de treino deve proporcionar uma vivência específica de jogo e um reforço positivo, com um grau de complexidade variável.
Porquê uma vivência específica de jogo? Durante o jogo a realização da acção está dependente de duas fases, a interpretação/deliberação e a acção. Portanto se proporcionar uma vasto leque de vivências no treino, maior será a retenção inconsciente e a retenção na memória, desta forma no jogo irão reconhecer um maior número de situações e mais rapidamente reagirão de forma imediata, diminuindo o tempo de reacção, aumentando a eficiência de acções.
Um tópico muito explorado por Mourinho é a concentração. Esta tem tal relevância que quando Mourinho se refere à intensidade do treino, não se refere ao nível físico mas sim de desgaste emocional provocado pelas peripécias emocionas mas sobretudo pelo desgaste a nível de concentração, sendo directamente relacionado com a complexidade do exercício. Quanto maior for a complexidade do exercício, maior será exigido a concentração e por sua vez o desgaste mental, por isso, cada exercício é de curta duração mas de complexidade média/alta, salvando os casos após o jogo em que o treino tem exercícios de baixa intensidade mental de forma a preservar a recuperação emocional. A concentração é muito trabalhada por Mourinho, pois se os jogadores estiverem concentrados irão integrar informações mais rapidamente e no jogo irão se abstrair de factores externos. O nível de concentração em parte também auxilia a lidar com o factor ansiedade, pois se o jogador se focalizar no objectivo e não estiver alerta perante situações não relevantes irá controlar um grande inibidor de rentabilidade, a ansiedade. Os treinos de Mourinho raramente excedem a hora e meia, pois segundo ele esta é a marca de referência da hora e meia de jogo, sendo que não vale a pena ter treinos de grande duração e descontinuados, os treinos de Mourinho regra geral são de curta duração mas continuados sem grandes interrupções, explorando o nível de concentração contínuo.
O controlo emocional é de extrema importância, no jogo, depara-se, o atleta, com situações adversas, com falhas, com lacunas, porém se este estiver ciente do seu estado e do seu objectivo irá reformular a sua auto-crítica e melhorar. Um exemplo prático, no jogo os passes saem sucessivamente mal a um jogador, este interiormente pensa “estou a falhar muitos passes”, porem as seguintes frases separam os jogadores controlados dos que não lidam bem com o erro, o jogador controlado pensa, “estive quase, porém no próximo passe certamente vou conseguir”, enquanto o jogador que sucumbe à pressão pensa “falhei, não estou bem, vou-me tentar afastar dos próximos lances para não falhar”. O jogador que reage bem aos erros e é perseverante realiza mais facilmente melhores exibições, nunca se deve desistir ou desanimar, tem o jogador que pensar que é capaz e que enquanto estiver em campo fará de tudo para acertar. O papel motivacional vem então à baila, se a motivação intrínseca do jogador é extremamente importante, a sua confiança, a sua luta pelo objectivo, o querer mais e perseguir o seu objectivo incessantemente é de facto grande suporte, o factor motivacional extrínseco é sem dúvida grande factor, todos se devem motivar, apoiar e cooperar, suportando erros, sendo tolerantes, enfrentando juntos as tristezas e alegrias, instigando-se por mais e melhor. O treinador como Mourinho sabe sensibilizar os seus jogadores para a vitória em qualquer jogo. Como? Se há jogos que só por si motivam os jogadores, como as grandes finais ou confrontos com grandes adversários, há outros jogos ou situações como um nível acentuado e continuados de vitórias que podem deixar os jogadores descomprimidos. Nestas situações de relaxe José Mourinho alerta os jogadores, fazendo-os ver que apesar das suas capacidades são falíveis. Assim, nos treinos realiza exercícios de tal forma complexos que levam à falha, por parte dos jogadores, desta forma, os jogadores ficam de alerta sabendo assim que são falíveis e que devem estar precavidos contra falhas e relaxamento exagerado.
No entanto, há jogos que à partida a equipa não é favorita à vitória, nessas situações Mourinho motiva de tal forma os seus jogadores que estes se superam em jogo. O poder mental consegue levar um indivíduo a realizar tarefas que nunca pensou conseguir realizar. Uma prova cabal é o instinto de sobrevivência. Quando alguém está em risco e necessita de sobreviver a sua força aumenta exorbitantemente, é algo inexplicável, porém isso tem a ver com a vontade de sobreviver. Desta forma se a vontade de ganhar for de tal forma grande e esse pensamento for de tal forma persistente o jogador poder-se-á superar e realizar uma excelente exibição.
O controlo emocional é dominante nos grandes atletas, pois conseguem suster as reacções primárias, os ímpetos relacionados com as “picardias” de jogadores adversários e conseguem lidar com os seus próprios erros e factores de descontrolo emocional.
Estabelecendo a relação físico-psicológico. No jogo é vulgar dizer que um jogador está em má “forma” quando se apega em demasia à bola. Mas se estivesse em má forma física não correria com a bola, não teria forças ou capacidade para tal, o que na verdade influencia é o factor discernimentos/controlo mental, o jogador que controla bem a sua capacidade global mental sabe mais rapidamente como entregar a bola e a quem, está concentrado, repara nos apoios e rapidamente verifica as opções e age em conformidade.
O treino puro físico ou exercícios com bola que só exigem físico tendo a bola para “enganar”, estão na perspectiva de José Mourinho (e na minha) ultrapassados. Se os jogadores treinarem situações específicas de jogo estão a treinar ao mesmo tempo os grupos musculares específicos da sua posição. A especificidade de acção é assim contemplada, o físico especifica-se àquela posição e acções exigidas.
O factor integração de um jogador é essencial. Quando este chega ao clube mesmo que esteja com padrões razoáveis no índice físico não se integra logo na posição. Porquê? Por causa da especificidade de acção, a integração depende do treino específico que retrata situações de jogo, logo a integração é feita com treinos que retratam situações específicas de jogo e por consequência da sua posição e acção.
Por fim, o factor integração depende de situações específicas. Por exemplo, o tipo de marcação influencia a integração e o factor união e espírito de grupo. Se na marcação homem a homem o jogador preocupa-se basicamente a impedir o seu adversário de jogar, na marcação à zona há uma interacção entre jogadores, avisando as movimentações dos adversários, compensando os seus colegas de equipa, estimulando assim a comunicação e relações inter-grupais entre colegas de equipa.
Mourinho mais que um treinador é um moldador da mente, consegue relacionar o psicológico com o físico, é isso que o distingue da maioria dos treinadores.