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segunda-feira, 7 de junho de 2010

Histórias dos Mundiais: 2. Década de 50

2.1. Mundial Brasil 1950


Doze anos depois da edição de 1938, o Mundial voltou a ser disputado. Com a Europa devastada pela Segunda Guerra Mundial e ainda a recompor-se, era óbvio que o campeonato teria lugar noutro continente. O Mundial estava de volta à América do Sul, desta vez no Brasil.

O Campeonato do Mundo de 1950 teve direito às suas particularidades, com destaque para a dificuldade em garantir o número desejado de participantes. Isto porque houve muitas ausências e desistências de última hora, motivadas também pelo facto do Brasil querer mudar o formato da prova: as Alemanhas seriam banidas pela Fifa; outras nações, como a Áustria, a Escócia, a Birmânia, a Hungria, a Roménia ou a Checoslováquia – só para citar algumas – não podiam custear a viagem para a América do Sul; a Argentina tinha conflitos pendentes com a Confederação Brasileira de Futebol. E por último, mas não menos curioso, a Índia, que desiste de participar no torneio porque os seus jogadores não podiam jogar descalços.

A Fifa tentou remediar a situação através da repescagem de vários países que não tinham conseguido apuramento, onde se incluíam Portugal e França. Ambos rejeitam e o Mundial arranca com apenas 13 selecções.

Com este problema em mãos, a Fifa fez algo de inédito na história da competição: muda o formato da fase final, a pedido da Confederação Brasileira de Futebol. Haviam agora duas fases de grupos e não jogos a eliminar. Na primeira fase haviam quatro grupos, onde o primeiro de cada agrupamento seguia para uma poule final. Nessa poule todos jogavam com todos e no fim quem tinha mais pontos ganhava a prova.

Mas quis a história que houvesse uma espécie de final. No último grupo estavam Brasil, Espanha, Suécia e Uruguai. Numa altura em que a vitória era pontuada com dois pontos, todos se defrontavam uma vez, perfazendo no final três jogos.


O último jogo, entre Brasil e Uruguai, acabou por ser praticamente uma final, pois à entrada para o mesmo eram os líderes do grupo e os únicos a poder erguer a taça o Brasil, que somava 4 pontos (duas vitórias) e o Uruguai, com 3 pontos (vitória e empate). Suécia com 2 e Espanha com 1 estavam fora da corrida.


A “final” da maldição

As goleadas sobre Suécia e Espanha, 7-1 e 6-1, respectivamente, deixaram o Brasil a precisar de apenas um empate ante o Uruguai para se sagrar campeão do Mundo pela primeira vez. Véspera da final, o jornal O Mundo fazia capa com uma foto da selecção e apenas duas palavras, “Campeões do Mundo”. Obdulio Varela, grande capitão da celeste, “rosnou” para os seus companheiros. “Pisem no diário e depois mijem nele!”. 199.854 espectadores pagaram bilhete para a partida decisiva… Mas estima-se que nas bancadas eram mais de 205 mil. Ambiente do outro Mundo. Apenas Varela permanecia sereno no lado do Uruguai. Coração num cubo de gelo, provocador. “Olha para a cara de estúpido do guarda-redes deles, não me digas que não somos capazes de lhe marcar um golo ou dois! Não tenham medo, olhem só para a relva, é na relva que vamos ganhar, não é nas bancadas!”. Mas os colegas tinham medo. Júlio Pérez haveria de confessar. “Mijei-me de verdade, não escondo, não me envergonho disso”.

Faltavam 12 minutos para o final, 1-1 no marcador, o que chegava para o Brasil ser campeão. Do banco, Flávio Costa berrava para os seus jogadores defenderem, ninguém o escutava. De súbito, aparece Ghiggia pela direita, de ângulo muito apertado, o remate, Barbosa fica a ver a bola passar e… foi a maior tragédia do futebol.

“O silêncio após o nosso golo foi algo de terrível. O estádio estava morto…” – Máspoli, guardião da celeste.

“Eu chorava mais do que eles, de alegria, mas também de pena por vê-los sofrer assim. Eu chorava por eles, eu chorava…” – Schiaffino, autor do primeiro golo do Uruguai.

Dez pessoas morreram no estádio de ataque cardíaco. Nos dias seguintes, diversos relatos de suicídios, e zaragatas em bares.

Melhores marcadores: Ademir (Brasil) 9 golos; Schiaffino (Uruguai) 6; Basora (Espanha) e Ghiggia (Uruguai) 5


A figura do Mundial

Juan Schiaffino era a estrela da celeste. Obdulio Varela era o grande capitão, Ghiggia entrou para a história com o golo decisivo, mas era Schiaffino quem fazia a diferença. Avançado centro de toque rápido e precisão mortal. Segundo melhor marcador da prova, com 6 golos. Brilhou igualmente no Mundial da Suiça. Rumou ao Milão. Escassos meses depois, já com dupla nacionalidade, marcava golos com a camisola da Itália. Ficou célebre uma frase sua. “Se o Brasil nos tivesse vencido assim no Estádio do Centenário os brasileiros não teriam saído vivos do Uruguai”.


Outras figuras

Obdulio Varela - Para o escritor Nélson Rodrigues, Varela “não atava as chuteiras com cordões mas com as veias”. Foi dos últimos românticos do futebol espectáculo. Recusou jogar com a camisola do Peñarol “profanada” com publicidade. O Peña entrava em campo com dez jogadores “patrocinados” e Varela com a velha camisola de sempre. Para a história, mais uma frase. “Fiz um país chorar de tristeza mais do que o meu país de alegria. E acho que se pudesse jogar aquela final novamente faria um auto-golo!”.

Zizinho» Mestre Ziza, como ficou conhecido, foi o melhor jogador da prova. E o ídolo de Pelé. Passou agruras pelo seu aspecto franzino. Recusado no clube do coração, o América, acabou no Flamengo. Passou para o Bangu. Primeiro jogo, deu 6… ao Flamengo. Ainda jogou no São Paulo. Armando Nogueira havia de escrever. “Eu lia Zizinho todo o domingo no Maracana”.

Ademir - Melhor marcador da prova, 9 golos em 6 jogos. Várias lesões graves acabaram-lhe com a carreira em 1956, apenas com 31 anos.


Nem com duas oportunidades Portugal chega à fase final

O adversário na eliminatória era de novo a Espanha. A atenção que o nosso país deu ao jogo foi tanta que nem houve Taça de Portugal nesse ano, para não desgastar os jogadores.

De novo em Chamartín, Portugal é goleado por 5-1, com o tento português a ser apontado por Fernando Cabrita, depois de driblar quatro espanhóis. No Estádio Nacional a selecção começa a perder, mas dá a volta ao marcador, com um golo de Travassos e o 2-1 a ser da autoria de Jesus Correia. Com a emoção, Jesus Correia tem de ser amparado para não cair e Albano chega mesmo a desmaiar em campo!

Portugal tinha de aguentar esta vitória para ir ao encontro do desempate mas os espanhóis facturaram por Gaínza perto do fim do jogo e acabaram com as esperanças lusas.

Mais uma vez Portugal fica de fora da prova. E mais uma vez com azar à mistura: Barrosa falha um penálti que na altura daria o empate, pois os espanhóis ainda venciam por 1-0.

Mas os deuses ainda não tinham abandonado por completo a nossa selecção. Ainda que por vias que não as desportivas, Portugal tem a possibilidade de marcar presença no Mundial, pois é alvo de repescagem pela organização. O convite é também endereçado à França.

Alegando falta de condições humanas e financeiras, aliadas ao facto de que Portugal não ter conseguido o apuramento directo, os responsáveis nacionais rejeitam o convite.


Curiosidades
- Apesar de não estar presente com a selecção, Portugal participou pela primeira vez no campeonato do mundo de futebol, através do árbitro José da Costa Vieira. O portuense foi árbitro assistente em duas partidas: Brasil – Jugoslávia e Espanha – Estados Unidos.

- Os americanos John e Edward Sousa foram, de certo modo, os primeiros jogadores representantes do nosso país num mundial, pois têm ascendência portuguesa. John Sousa marcou mesmo 2 dos 3 golos americanos em toda a prova.

- Enquanto o Brasil goleava a Espanha, o público cantava a marcha “Touradas de Madrid”, composta por João de Barro, em 1938.

- Inglaterra participa finalmente no seu primeiro mundial de futebol, e logo para esquecer. Surge como favorita, tal era o nível de profissionalização que os seus jogadores tinham. Além de perderem com os amadores dos Estados Unidos, os ingleses nem passaram da primeira fase.

- A Itália tentou defender o título mundial com uma equipa fraca devido ao famoso desastre de 1949, onde, num acidente aéreo, foram vitimados todos os jogadores do Torino (que compunham a espinha dorsal da Squadra Azzurra). A Itália seria eliminada ainda na primeira fase.

- O jogo da “final” é conhecido como “Maracanazzo”, derivado de uma expressão latina usada pelos uruguaios para provocar os brasileiros.

- Na derrota brasileira frente ao Uruguai, uma das finais mais surpreendentes da história dos campeonatos do mundo, a emoção foi tanta que morreram no estádio dez pessoas de ataque cardíaco. Nos dias seguintes, houve ainda vários relatos de suicídios e desacatos em bares.

- O brasileiro Moacir Barbosa foi o guarda-redes que não defendeu o remate de Ghiggia na final, remate esse que valeu um campeonato do mundo. Segundo disse, antes de falecer em 2000, sofreu um inferno toda a vida, incluindo a humilhação de lhe barrarem a entrada no hotel da selecção em 1994, que estava em estágio, para não trazer azar. “No Brasil a pena máxima por um homicídio é de 30 anos e eu pago há 44 por um crime que não cometi”, afirmou.

- A derrota canarinha foi de tal modo traumática que durante os dois anos seguintes a esse jogo não efectuaram qualquer encontro. E só jogariam de novo no Maracanã 4 anos depois da partida com o Uruguai.

- Ainda hoje em dia se celebra o 16 de Julho no Uruguai (data da “final”). É dia de Maracanazzo.


Barbosa, o amaldiçoado

Nélson Rodrigues, o grande dramaturgo brasileiro, escreveu estas palavras sobre Moacir Barbosa do Nascimento, na altura em que a sua carreira estava perto do fim, em 1959. Nove anos antes, Barbosa estava na baliza do Brasil naquela final que não era final, mas que ficaria conhecida no futebol brasileiro como a "final fatídica".

O Maracanã era o palco e o Uruguai o adversário. Era o jogo que decidia o campeão mundial de 1950. Ninguém pensava noutro resultado que não fosse o Brasil campeão. Quase 200 mil espectadores assistiram a Friaça inaugurar o marcador para a equipa da casa aos 47", mas os ânimos arrefeceram quando Schiaffino empatou aos 66".
O empate bastava ao Brasil para conquistar o seu primeiro título, mas o impensável aconteceu aos 79". Alcides Ghiggia, extremo-direito do Peñarol Montevideo, avançou pelo flanco, chegou à área, simulou o remate, enganou Barbosa e meteu a bola junto à trave direita, dando o título ao Uruguai.

"Ele foi lógico e eu fui ilógico", contou Ghiggia sobre esse momento. Barbosa, como conta Nélson Rodrigues, foi sempre considerado o culpado, "o homem que fez o Brasil chorar", que era o que lhe chamavam na rua, apesar de ter sido um dos melhores guarda-redes do seu tempo.

Muito tempo depois, já retirado do futebol, Barbosa juntou os seus antigos para um churrasco na sua casa no Rio de Janeiro. Os amigos estranharam as chamas invulgarmente altas e com cheiro a tinta. Não eram de carvão, nem de madeira normal, mas das traves da baliza do Maracanã onde sofrera o golo de Ghiggia.

Moacir Barbosa não defendera a bola, nem o seu destino, um Inferno para o resto da vida. Ficou eternamente responsável pelo “maracanazo“. Faleceu em 2000, passou uma vida a ouvir a lengalenga que “brasileiro não pode confiar em goleiro negro”. Sofreu a humilhação de lhe barrarem a entrada no hotel da selecção em 1994, que estava em estágio, para assim não trazer azar. “No Brasil a pena máxima por um homicídio brutal é de 30 anos e eu pago há 44 por um crime que não cometi”. Zizinho, o melhor jogador do Brasil na Copa, sempre defendeu Barbosa. “Continuam passando de geração em geração essa história mentirosa do frango de Barbosa na copa de 50. Ele fez tudo com correcção. No golo do Schiaffino fechou o ângulo e o Ghiggia cruzou aberto para a cabeçada. No segundo entendeu que Ghiggia ia repetir o lance e lançar aberto para Schiaffino. Então ele se afastou e foi para o centro da baliza. E o Ghiggia rematou entre o poste e ele”.


2.2. Mundial Suíça 1954

O Mundial de 1954 era o primeiro na Europa, depois da II Guerra Mundial. A Suíça foi escolhida, por ser um país neutro e mais capaz de acolher um Mundial com países oriundos de um mundo ainda instável e dividido por uma perturbadora Guerra Fria. Inscreveram-se 35 países, com a ausência da URSS (que ainda não se decidira a participar na prova máxima do futebol mundial) e a Argentina que optou por não viajar até à Europa. O Mundial de 54 tinha um aliciante extra: a final seria transmitida pela televisão, algo inédito até então. Inéditas também eram as derrotas da Inglaterra em casa, mas o ciclo havia terminado em 25 de Novembro de 1953, em Wembley, quando a Hungria impôs um humilhante 6-3. Mesmo assim, pouco, se compararmos com os 7-1, meses mais tarde, em Budapeste. A Hungria já havia vencido o torneio olímpico dois anos antes, em Helsínquia, e sobre si recaíam as atenções. A equipa era simplesmente perfeita, então com três dos melhores jogadores de todos os tempos, os lendários Kocsis, Czibor e Puskas. Não foi, por isso, surpreendente a aparente facilidade com que ultrapassou a primeira fase. Surpreendentes podem ser os números: 9-0 à Coreia do Sul e 8-3 à Alemanha.


A equipa magiar prosseguiu a sua marcha imparável até à final, com vitórias por igual score (4-2) sobre o Brasil e Uruguai, respectivamente vice-campeão e campeão do mundo, quatro anos antes no Rio de Janeiro. Já a Alemanha, não obstante ter perdido por 8-3, conseguira desenvencilhar-se e apurar-se para a fase seguinte, onde afastou a Jugoslávia e a Áustria. Assim, a Alemanha voltaria a defrontar a Hungria, agora na final de Berna a 4 de Julho de 1954. E o espectro do terror provocado pelos 8-3 dias antes enegreceu ainda mais logo aos 6′ quando Puskas abriu o marcador para a Hungria. Dois minutos volvidos, Czibor fazia o 2-0 para a Hungria. Lembro: a Alemanha perdera por 8-3 na primeira fase e na final, logo aos oito minutos já perdia por 2-0. Tudo parecia apontar para uma vitória daquela que todos consideravam a melhor equipa do mundo. Mas… o inesperado aconteceu. Aos 10′ Morlock reduziu para a Alemanha e Rahn empatou aos 18. O jogo chegou ao intervalo com 2-2 e as expectativas eram enormes para a segunda parte. O estado do tempo, muito chuvoso, não ajudou, mas a verdade é que a 6 minutos do fim Rahn bisou e fixou o 3-2 final. Só que, diz quem viu (e existem relatos da altura), os jogadores alemães tiveram um desempenho muito estranho e acima das capacidades atléticas tidas como normais à época.

Foi a primeira vez que se falou abertamente em “doping” no desporto de alta competição e o rumor ficou no ar. Se aliarmos isso a uma arbitragem manhosa e tendenciosa do inglês Ling e a algum desconforto por parte da FIFA em atribuir um campeonato do mundo a um país do Leste europeu em plena guerra fria, talvez se consiga perceber como aquela equipa, que muitos consideram a melhor de todos os tempos, perdera essa épica final a 4 de Julho de 1954. Mesmo assim, a Alemanha tem o seu mérito. Eram poucas as equipas com capacidade para vencer a Hungria.

A figura do Mundial

O inevitável Puskas. “Nós jogámos alegremente, os alemães para serem campeões”. Prodigioso. Tudo nele era poesia. Raro o passe falhado, deslumbrante nos dribles, venenosos os remates com a canhota. Estreou-se aos 16 anos no Kispest. O pai era o seu treinador. O Kispest passou a Honved, clube do exército do regime comunista. Para lá foram todos os grandes jogadores húngaros da época… E Puskas já era um mito. Entre 1950 e 1954, a Hungria nunca conheceu a derrota. Perdeu precisamente quando não podia perder. Nestes anos, vitória nos jogos Olímpicos. E duas humilhações impostas à Inglaterra, 6-3 em Wembley e 7-1 em Budapeste. Em 1956, outra história. O Honved andava em digressão pela Europa. O jugo soviético ameaçava a Hungria, Puskas incendiou a rebelião entre os companheiros. Ficou na Europa. Houve notícias a dá-lo como morto, reapareceu na Áustria, passou por Itália, só não podia jogar futebol, a FIFA suspendeu-lhe a licença por dois anos em função das suas posições políticas. Durante os dois anos de punição, os “dissidentes” andaram pelo Mundo em digressão, passaram por Portugal e Brasil. Puskas esteve desde a primeira hora comprometido com o Real. Chegou a Madrid já com 31 anos. Deixou de ser “major galopante”, passou a ser Pancho, estava gordinho… Ao lado de Di Stefano, a glória, 5 Taças dos Campeões… De candeias às avessas com o regime de Budapeste, passou a ser espanhol, jogou por Espanha no Mundial de 62. Encerrou a carreira 4 anos depois, aos 39 anos. Mas a magia ficou para sempre...


Curiosidades da prova

Golos - Foi a fase final com a média mais elevada de golos marcados por jogo, 5,38. Vinte e seis jogos, cento e quarenta golos marcados. A Hungria marcou 27 em 8 jogos. A Coreia sofreu 16 em 2, e não marcou nenhum…

Mais golos - Recorde absoluto, e seguramente para durar. Nos quartos de final, Áustria-Suiça, 7-5. Doze golos! Também houve uma partida de 11, os 8-3 da Hungria à Alemanha. E empates a 4, goleadas a 9, goleadas a 7.

Camisolas com números - Pela primeira vez os jogadores alinharam com números fixos. Igualmente pela primeira vez, o Uruguai perdeu uma partida na fase final de um Mundial, ante a Hungria, nas meias-finais.

Sorteio - A Espanha falhou o Mundial por causa de uma moeda ao ar. Três jogos ante a Turquia, uma vitória para cada lado e um empate. Resultado, decisão por moeda ao ar, turcos no Mundial, espanhóis em casa.

2.3. Mundial Suécia 1958


E finalmente o Brasil foi campeão! Assim tem que começar a história do mundial de 1958. Pois foi no mundial sueco, que o Brasil conquistou o primeiro dos seus cinco títulos mundiais.

Mas o mundial da Suécia, não ficou só conhecido por ter colocado a primeira estrelinha de campeão no símbolo da CBF, foi também o certame que deu a conhecer ao mundo, Edson Arantes do Nascimento, eternizado a letras de ouro, com a alcunha de Pelé. Com apenas 17 anos de idade, Pelé abriu o livro, marcando 6 golos na competição, dois deles na final, sendo inesquecível o momento em que fazendo a bola a passar em chapéu por dois adversários, rematou a bola em cheio, sem a deixar bater no chão, batendo o sueco Svensson.


Mas voltemos ao princípio. Em 1958, 16 equipas reuniram-se na Suécia para discutir a VIª edição do Mundial de futebol. Entre as ausências, destacavam-se a Itália (campeã em 34 e 38), o Uruguai (campeão em 30 e 50), a Espanha, a Holanda, a Suiça e Portugal (que mais uma vez falhava a qualificação). Entre as estreias, destacavam-se a U.R.S.S., a Escócia, a Irlanda do Norte e o País de Gales. Aliás, o mundial de 58, foi o mais britânico de sempre, estando presentes pela única vez até hoje, as 4 associations que fazem parte do Reino Unido.

Entre os favoritos contava-se a Alemanha (campeã em título), o Brasil de Pelé, Vavá, Garrincha e Didi, a Inglaterra, a França de Kopa e Fontaine, a regressada Argentina e a estreante U.R.S.S., que queria obter no mundial o sucesso que já obtivera nos Jogos Olímpicos de Melbourne em 1956, onde se tornara campeã. Por outro lado a Hungria, que após o mundial, tinha espalhado a sua classe pelos campos europeus, viu a sua fantástica selecção ser desmembrada após a invasão soviética, em 1956 e apresentava-se na Suécia sem grandes ambições, enquanto os Jugoslavos, Vice-Campeões Olímpicos, ambicionavam causar uma surpresa.

O Brasil foi à Suécia dar o primeiro toque de samba à história do futebol, mas esteve quase para não ir. O apuramento foi um sufoco. Em Abril de 1957, no Maracana, a canarinha empatada com o Peru. A igualdade não chegava. Falta perto da área. Didi cobrou. A bola subiu, passou a barreira, parecia ir para fora mas, de súbito, a magia da curva, o efeito perverso e a bola nas redes. Nascia a célebre folha seca. “O meu pé estava inchado e doía quando eu chutava. Então comecei a chutar diferente para não doer. E aperfeiçoei tão bem o jeito que os goleiros já ficavam desanimados quando eu partia para bater uma falta”. Quando chegaram à Suécia, o craque era obviamente Didi, o príncipe etíope. Aos 14 anos deram-lhe um pontapé no joelho, a ferida infectou, andou meses numa cadeira de rodas, os médicos a ponderar a amputação da perna. “Eu não tenho de correr, quem tem de correr é a bola”. E ele consegui pôr a bola a correr, a voar como uma folha mágica. Mas o Brasil não era só Didi. Tinha Zagallo, Djalma Santos, Nílton Santos, Garrincha e um tal de Edson Arantes do Nascimento.

A CBF encomendara um relatório secreto a uma equipa de psicólogos, e uma das conclusões foi que “os negros eram mais temperamentais que os brancos” e isso “poderia prejudicar o desempenho no campeonato do Mundo”. Negros titulares apenas 2, Dida e Didi, porque os seus suplentes também eram negros, Pelé e Moacir. No segundo jogo do Brasil, empate sem golos contra a Inglaterra, a primeira vez que um jogo da copa terminou sem golos. O Brasil precisava bater a URSS para seguir em frente. Pressionado pelos jogadores mais influentes, Nílton e Didi, Feola foi quase obrigado a dar a titularidade a dois meninos, Pelé e Garrincha. Mazola foi um dos sacrificados. Contra a Inglaterra, Mazola sofreu ataque de nervos, desatou a chorar, a espernear, só parou a cena quando Bellini, o capitão, se chegou a ele e lhe deu uma bofetada!


Contra os soviéticos explodiu Garrincha. Nílton Santos não esquece essa partida. “Eles começaram marcando homem a homem. Tsarev contra Mané. De repente passaram a amontoar vários jogadores naquele lado esquerdo do campo. Era hilariante o desmanche que Mané fazia por ali”. Juntou Didi. “Eu fazia o lançamento e tinha vontade de rir. O Mané ia passando e deixando os russos de bunda no chão. Em fila, disciplinadamente”. Tsarev, o azarado defesa soviético, viveu o pior dia da carreira. “Garrincha enganou-nos o tempo todo com o seu futebol de mentira. Naquele dia estava tão envergonhado que considerei a hipótese de não voltar a Moscovo”.

Nos quartos de final, o País de Gales. Foi a vez de Pelé brilhar. Voou para a história com um chapéu soberbo. E depois, a caminho do paraíso, mais duas exibições monstruosas, primeiro a França, depois a Suécia. E a Taça era finalmente brasileira… Bellini recebeu o troféu do rei Gustavo e ergueu-o aos céus. A partir daqui, todos os capitães fariam o mesmo. “Foi um gesto instintivo, não consigo explicar”. No dia seguinte, o Daily Express escrevia: “Esta final mostrou que o futebol brasileiro é o mais próximo da perfeição que 11 homens podem alcançar”.


A figura do Mundial

Foi a copa de Pelé. Inevitavelmente. Foi o nascer do Rei. Nos quartos de final, ante o País de Gales, o início da coroação, um golo de antologia numa magra vitória por 1-0. Contra a França, 3 golos em 45 minutos. Na final, com a equipa da casa, mais 2 golos. Ainda hoje é o mais jovem campeão do Mundo de sempre. Curiosidade. Pelé jogou na copa com o número 10 por acaso. Os dirigentes da CBF esqueceram-se de enviar para a FIFA a listagem de números. O comité organizador decidiu atribuir os números de forma arbitrária. A Pelé coube o 10, e esse seria para sempre o número do mago.

Outras figuras

Mané Garrincha - Foi o espanto geral entre jornalistas e adeptos. Um jornalista sueco descreveu assim o jovem prodígio. “Garrincha possui as pernas mais exóticas do Mundo, elas produzem o futebol mais desconcertante que vimos. Nunca um jogador conseguira driblar quatro russos num espaço pouco maior que um metro e deixá-los todos sentados”. As pernas tortas eram a imagem de marca. Nos pés, magia que nunca mais acabava. As pernas curvadas para a esquerda foram resultado da poliomielite enquanto criança. Segundo os médicos, nunca mais poderia correr. Foi treinar ao Botafogo. Parecia um aleijadinho. Pela frente apanhou Nílton Santos, o melhor lateral do Mundo. No primeiro lance, fez-lhe um túnel. Nílton correu para o treinador. “Contrata já esse moleque. Imagina ele noutra equipa. Nunca mais ia dormir direito”. Ganhou fama no Brasil como o “anjo das pernas tortas” ou “a alegria do povo”. Sucessivas lesões num joelho acabaram-lhe com a carreira. Hoje Garrincha não é um mito como Pelé porque não teve um final feliz. Afundou-se no álcool, definhou, morreu na miséria, com cirrose hepática, em 1983. E o Brasil chorou a partida de um dos melhores jogadores de sempre… Armando Nogueira, jornalista brasileiro, assinou o mais belo retrato de Mané. “Para Garrincha, o pequeno espaço de um guardanapo era um enorme latifúndio”.

Just Fontaine - Treze páginas imortais numa bela fábula. Treze golos na prova, o título de melhor marcador. Nunca mais o melhor marcador o foi com tantos golos. Talvez nunca mais venha a ser. Marroquino de Marraquexe, foi a figura da França na prova. Ele que era suplente e apenas entrou no onze por lesão de um colega. Só contra a Alemanha, no apuramento para o terceiro lugar, 4 golos. Dois anos depois, partiu uma perna. Regressou vários meses depois. Escassos minutos, nova fractura grave… encerrou a carreira, virou Presidente do Sindicato de Jogadores.


Curiosidades

– O melhor jogador soviético era Streitsov, o torpedo de Moscovo. Não se deslocou à Suécia porque estava preso, a ser julgado por tentativa de violação.

- A selecção Argentina chegou ao Mundial como grande favorita, com uma equipa fabulosa. No ano anterior vencera a Copa América, e por isso aterrou na Suécia com um objectivo, ser campeã do Mundo. Não passou da primeira fase. Aliás, a despedida foi humilhante, 6 golos sofridos ante a Checoslováquia. No regresso a casa, os argentinos foram apedrejados no aeroporto de Buenos Aires. A polícia teve de escoltar cada um dos jogadores a casa.

- A sorte sempre acompanhou a Mário Zagallo. O titular da selecção era Pepe, que vários anos depois treinou o Belenenses, mas lesionou-se num amigável e falhou o Mundial. Canhoteiro também se lesionou num treino. Ficou Zagallo como única alternativa. Aproveitou e brilhou…

- Esta foi a única que teve a presença de todas as selecções do Reino Unido (Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte).


O Onze do Mundial: Yashin (U.R.S.S.), Djalma Santos (Brasil), Gustavsson (Suécia), Bellini (Brasil), Nilton Santos (Brasil), Didi (Brasil), Kopa (França), Garrincha (Brasil), Vavá (Brasil), Fontaine (França) e Pelé (Brasil).

3 comentários:

Anónimo disse...

Ainda ontem vi um documentário sobre o Zico e ele falava que sempre que o Brasil perdeu num Mundial hsvia sempre um crucificado pelo povo.

E ele referiu que no Mundial de 50 foi precisamente o guarda-redes Barbosa o grande culpado para os brasileiros pela derrota mais dificil de engolir do Brasil.

Anónimo disse...

Agora voltando ainda à questão da convocatóriade Queiroz.

Tenho estado a ver algumas repetições dos jogos do Mundial de 2006, e como a minha memória por vezes me atraiçoa, eu já não me lembrava de alguns jogadores portugueses que foram a este Mundial.

Aqui ficam aqueles que me suscitaram mais curiosidade:

Ricardo Costa - alguém questionou scloari por esta chamada?

Caneira - como é possivel ter ido a um Mundial?

Boa Morte - idem idem aspas aspas

Nuno Santos - ??? para quem não souber, era o 3º guarda-redes.

Ora, se com estes convocados Portugal conseguiu chegar à meia-final, porque não podemos agora fazer igual ou melhor?

Anónimo disse...

Venho fazer uma correcção:

Como o jogador é tão conhecido, eu chamei-lhe Nuno, mas é Paulo, Paulo Santos.

Fica o erro corrigido.