Karadas até pode não ficar na história como um grande avançado (aliás, por alguma razão agora é defesa no Kasimpasa) mas foi campeão no Benfica e esteve em campo naquele polémico Estoril-Benfica no Estádio do Algarve, há precisamente cinco anos. Já agora, o leitor lembra-se do que aconteceu no jogo da primeira volta?
Karadas. Tudo bem? Como é que me diz para lhe telefonar quando está a começar o Inter-Barça [meia-final da Liga dos Campeões]?
Pois é... mas deitei agora os meus filhos e tem de ser agora. Então e por aí? Como estão as coisas?
O Benfica prepara-se para ser campeão. O FC Porto teve um ano nada habitual, o Sporting está em quarto e a grande surpresa é o Braga.
Que aconteceu em Braga?
Tem vindo a fazer boas épocas, tem mantido bons jogadores e este ano estreou um treinador, Domingos, que fez um bom trabalho.
Ah, Domingos, sei quem é.
Mas fale-me de si. Está a jogar na Turquia? Nasceu na Noruega mas Karadas é um nome turco, certo?
É verdade, nasci e fui criado na Noruega mas recebi o nome do meu pai, que é turco. A vida é excelente em Istambul, mas é claro que não se compara a Lisboa. Vim para aqui a pensar jogar mas de caminho sempre posso descobrir a língua e alguns familiares. O azar [que por acaso é o primeiro nome de Karadas] é que estou lesionado e a época não me está a correr lá muito bem.
Se tem saudades de Lisboa deve ser daqueles que ainda seguem o Benfica.
Claro, sigo a Liga portuguesa e vi alguns jogos na Liga Europa - têm grande equipa, espero que sejam campeões. Vivi isso e foi fantástico, o estádio e as ruas cheias de gente! Para mim foi tudo novo, vinha de um país como a Noruega, coisas dessas só tinha visto pela televisão. Depois encontrei jogadores como Simão, Luisão e Nuno Gomes... O Benfica não ganhava o campeonato há 11 anos, meu Deus!
Lembra-se como foi parar ao Benfica?
Tinha de escolher o Benfica, apesar de ter outras propostas de clubes europeus. Houve muito empresário metido no meio mas foi o Trapattoni que me levou, percebi que me queria quando falei com ele e com José Veiga, em Lisboa. A época até começou bem mas depois ficou mais difícil jogar com frequência.
No início marcou logo dois ao Beira-Mar.
Pois foi. Fantástico! E ganhámos 3-2! [Petit fez o outro golo, Alcaraz e Beto marcaram para o outro lado].
Não é propriamente o mais tecnicista do mundo. Como foi integrar-se entre jogadores como Simão e Nuno Gomes?
Sabia que o futebol português era outro nível para mim mas esforcei-me e ajudaram-me muito. Na Noruega somos atletas de força, temos equipas de organização, em Portugal ganha-se liberdade, o papel não é fixo, cada um só depende da sua inspiração.
Não tinha sido defesa central antes de chegar ao Benfica?
Sim. E voltei a ser, agora sou outra vez! Depois do Benfica passei por Inglaterra [Portsmouth] e Alemanha [Kaiserslautern]. Foi aí que voltei à defesa. Às vezes, quando é preciso, lá vou à frente nos minutos finais do jogo para tentar um golo. Na Noruega sempre me disseram que deveria ter sido sempre central.
Se é especialista da defesa e do ataque, então diga lá como se arranca um daqueles penáltis como o que inventou contra o Estoril, no célebre mergulho no Estádio da Luz?
[Gargalhada; e outra...] Pois, eu sei que se fala muito desse penálti, basta ir à internet...
É o penálti da época. Conte lá.
Bom, foi penálti... Quer dizer, eu tinha dois defesas à minha frente, não me lembro de ter decidido nada, talvez me tenha dado um blackout e instintivamente tentei passar por eles e atirei- -me. Os árbitros por vezes erram e é claro que o árbitro desse jogo também errou [era Paulo Pereira, de Viana do Castelo, que em 2008 abandonou o apito desiludido com o sector]. Mas foi bom para nós, ganhámos [2-1, dois golos de Simão depois de João Paulo abrir o marcador].
Há precisamente cinco anos, a 24 de Abril, o Benfica voltou a jogar contra o Estoril, na célebre casa emprestada do Algarve. Entre tanta polémica, como foi aquela semana?
Lembro-me da confusão mas, sabe, como eu não percebia quase nada de português só mais tarde é que entendia a dimensão das coisas. Acabámos por vencer esse jogo, fizemos 2-1 [Luisão e Mantorras, depois de Paulo Sousa], foi um resultado importante naquela fase [30.a jornada] porque demos a volta ao resultado. Essas vitórias fazem as equipas crescer, ganham confiança.
Não falava português, como se fazia entender no balneário?
Tive aulas, depois comecei a perceber a linguagem do futebol, "direita", "esquerda"... e por aí fora. Também tinha alguma sorte porque havia muita gente que falava inglês. De resto, passava mais tempo com o Fyssas, ele era o meu colega de quarto nos estágios, mas tinha muitos amigos na equipa.
E como se entendia com Trap?
Para mim era simples, chegava ao treino e tentava fazer o melhor.
Houve um dia em que Trapattoni o deixou de fora de um jogo de treino e o mandou embora para o balneário. E o Karadas ficou no túnel a olhar como se não acreditasse no que se estava a passar... Que se passou?
Pois... ainda hoje não sei. Na Noruega só tinha de chegar ao treino e trabalhar, no Benfica era tudo mais evoluído e diferente, não imaginava que aquilo me podia acontecer, ficar à parte. Se calhar era normal. E pronto, lá fiquei no túnel a ver o treino dos outros, ainda hoje sem perceber bem porquê.
Nessa altura foi deixando de jogar com tanta frequência. Depois foi emprestado e quando chegou à Alemanha parou devido a uma doença estranha.
Como é que eu explico isto... É um problema que surge quando se treina muito, quando se treina até destruir o sistema imunitário. O meu corpo ficou descontrolado uns meses, tive de me reconstruir e isso demorou mais de meio ano. Foi duro, estava a jogar, a ser importante e depois tive de parar tanto tempo. O meu corpo fez off, estava cansado 24 horas por dia, não recuperava. Agora estou a 100%.
O erro foi seu ou dos seus treinadores?
Fui eu, fui eu... Fui ao médico, fiz exames na Alemanha e na Noruega, ao fim de algumas semanas percebi que fui eu, tinha acabado com a minha gasolina. Estava a ir sempre ao limite, dei tudo, queria estar em forma e abusei.
Que história é essa de ter o número 99 na camisola? Muito bem, Vítor Baía também o teve, mas o 9 geralmente é coisa de avançado que marca golos.
Ah, não é nada de especial. Foi o que me sugeriram e eu aceitei, quero é um número para jogar.
Quem está farto de marcar golos na Turquia [Kayserisport] é o Makukula. Conhece-o?
[Gargalhada] Claro, mas que época fantástica ele está a fazer [21 golos]! Mas que lhe aconteceu aí no Benfica?
Foi contratado a meio da temporada de 2007/08, não fez golos e se calhar a confiança foi-se abaixo. Depois acabou emprestado e agora é visto como uma boa opção para ir ao Campeonato do Mundo.
Acho que sim, convoquem-no! Ele é fortíssimo dentro da área, é muito difícil tirar-lhe a bola. Joguei contra ele há umas semanas e marcou um grande golo. Não o marquei homem-a-homem, nós jogamos com marcação à zona...
E o Karadas, já marcou o golo da sua vida?
Não sei, mas um dos meus melhores golos foi pelo Benfica, contra o Nacional [remate de 30 metros, sem hipótese para Hilário, que está hoje no Chelsea].
Lembro-me de outro de livre directo, pela selecção sub-21 norueguesa, contra Portugal.
Ah, sim! E quem estava nessa equipa?
Ronaldo, Quaresma, Makukula, Bruno Alves...
Essa gente toda? Tem de me mandar esse onze inicial! Lembro-me do Ronaldo, era um espanto...
Mas o Karadas era número 10 e marcava os livres porquê?
Na selecção sub-21 era número 10 e capitão, jogava à frente ou à defesa, consoante o treinador entendia. Marquei golos de livre mas esse foi o melhor.
E contra o Benfica, pelo Rosenborg, aquele de cabeça à entrada da área! Foi esse que lhe deu a transferência?
Não sei, se calhar foi, mas nunca mo disseram. Foi um golo à Karadas, mostrou a minha força. Sabe, aos 28 anos sinto essa força e estou apostado em ficar mais uns tempos pelos campeonatos no Sul da Europa. Quando estava na Alemanha voltei à Noruega [Brann] por causa da minha família, agora quero ficar por aqui, quem sabe regressar a Portugal - deixei aí bons contactos.
O Benfica já lhe pagou os prémios de jogo que lhe ficou a dever?
Sim, sim, tudo resolvido. O meu empresário falou com pessoas do clube e lá se entenderam.
Karadas, obrigado pela atenção.
OK, adeus.
Fica aqui o video para recordar…
Fonte: jornal i
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